sexta-feira, 7 de agosto de 2009

MEMORIAL DE LEITURA



As minhas primeiras recordações do contato com a leitura e a escrita me remete aos meus cinco ou seis anos de idade, o cenário era basicamente aquele do filme “Os Narradores de Javé”. Minha cidade natal, que na época era apenas um povoado, tinha aquele aspecto peculiar das pequenas comunidades do interior do Nordeste, casa ligadas por uma única parede, apenas uma grande rua, no chão da barro ou areia, a iluminação vinha dos lampiões, acesos ao adormecer do sol. Minha mãe (sempre muito preocupada com a educação doa filhos, apesar de ter cursado apenas as primeiras séries do 1º Grau, dizia sempre que era a única herança que podia nos deixar) pegava na minha mão para me conduzir na árdua tarefa de “cobrir” as letras, um trabalho de coordenação motora acrescido de muito amor e uma tonelada de paciência.



Na pré-escola, tive o meu primeiro contato com a escrita impressa, a famosa carta de ABC, assim fui levada a “decorar” o alfabeto, as vogais, as consoantes (na época chegava a pensar que jamais iria conseguir decorar todos aqueles códigos consoantes, era um martírio...), as famílias do Ba, Ma, La, Já, etc. O pior momento era quando a professora fazia um buraquinho no papel e colocava sobre o alfabeto e em seguida perguntava qual letra era aquela que aparecia no meio do circulo vazado. Dificilmente acertava as letras T, G, P, Q... (as temíveis consoantes) O resultado era sempre uma seção de palmatória. Sofria muito por não conseguir decorar tão rapidamente quanto os colegas, mas não entendia o porquê, nem isso, na época, era preocupação para a professora.



As boas lembranças, de quando ainda estava sendo alfabetizada, são às vezes em que pedia a minha mãe uma cartilha igualzinha a do meu irmão mais velho e ela respondiam – compro um livro para você se consegui lê todos os letreiros que encontrarmos na rua, então saíamos de casa de mãos dadas em busca dos letreiros do comércio local, ainda eram poucos, mas quando tinha algum que não conseguia lê, começava a chorar pensando que nunca ganharia o livro e a minha mãe como quem não tinha percebido terminava a leitura e dizia que tinha feito tudo certinho.



O tempo foi passando e as coisas foram acontecendo, seguindo a mesma ordem, até que completei os meus sete anos e consegui ingressar na 1ª ano e ter em mãos o meu primeiro livro: uma cartilha


Os livros da escola restringiam-se aos livros didáticos de Língua Portuguesa e Matemática e algum tempo depois livros de conto de fadas da literatura universal. Apesar da grande expectativa em torno do livro, as minhas memórias do contato com o livro no 1° Grau são em primeiro lugar as lições tomadas todo dia ao final de cada aula. Tive muita dificuldade para aprender a ler (lembram da dificuldade de memorização das consoantes? Perseguiu-me por muito tempo...). A minha memória nunca me ajudou muito... Só consegui aprender a ler (pasmem!) na 3ª série. Mas quando consegui que passava tardes maravilhosas lendo contos de fadas em casa, quando não pegava escondido do meu irmão os gibis que ele conseguia emprestado. Apesar de não ser muito evidenciada nas aulas de Língua Portuguesa, consegui me destacar nas aulas de Matemática, era um fenômeno, passava direto em todas as provas (não me lembro de ter ficado em alguma), tenho uma inteligência lógico-matemática bem desenvolvida.



Quando passei a estudar a 5ª série, tive contato com o meu primeiro livro de História, adorei logo de cara, lia e relia todos os dias, ainda hoje me lembro da cor mostarda da capa, do Título História Antiga e Medieval e de todos os deuses da mitologia grega e romana. Amava as aulas de Desenho Geométrico, adorava as de História, Matemática era minha paixão, tolerava as aulas de Geografia e Ciências Naturais e, definitivamente, odiava as aulas de Língua Portuguesa. Nessa época, juntava as moedas que minha mãe me dava para quando fosse a Barra do Corda, comprar gibi da turma da Mônica, nas bancas. A cada ida na cidade era uma alegria só em pensar que teria novos gibis para ler. Assim foi até concluir o ensino fundamental.



Ao ingressar no Curso Normal, preparação para o magistério, também não tive muito contato com leituras mais apropriadas para o nível de ensino em me encontrava, sem muita orientação, passava o tempo lendo revistas de fofoca, romance Sabrina, Júlia, Bianca, entre outros. Nada muito recomendado para minha formação. Sentia a necessidade de conhecer grandes obras literárias , de autores consagrados de quem ouvia falar, mas não tinha tão pouco aulas de literatura (graças à Deus que a educação de hoje nem tem comparação com a de 15 anos atrás, na zona rural). A resistência com as aulas de Gramática continuaram (realmente não conseguia aprender tantas regras e exceções, eita memoriazinha ruim... ).




Ao terminar o Magistério percebi que tinha a obrigação de fazer as pazes com a língua materna. Como seria uma professora se mal conhecia a gramática? Foi então que resolvi fazer o curso de Licenciatura em Letras, para quebrar esta resistência que até então me acompanhava. Um pouco contraditório, eu reconheço, mas percebi que para ir além eu teria que vencer essa barreira, pois, por mais que o domínio da norma padrão não seja garantia para um futuro cheio de realizações, é fundamental que conheçamos as variações da língua para usarmos no momento oportuno. E foi assim que me tornei uma professora de Língua Portuguesa. Na faculdade, tive contato com obras literárias e o primeiro contato com livros acadêmicos, e fui adquirindo o gosto pela pesquisa e a admiração por alguns autores gradativamente.



Em 2003, três anos após ter concluído a licenciatura em Letras, surgiu a oportunidade de fazer especialização em Língua Portuguesa, a partir daí comecei efetivamente a ter contato com livros diversos e específicos de minha área e construir um amor pela leitura e a busca de conhecimentos. Conheci as obras de vários autores de quem não abro mão de ter vários títulos, tais como: Marcos Bagno, Irandé Antunes, Emília Ferreira, Maria Helena de Moura Neves, Luiz Antonio Marcuschi, Emília Ferreiro, entre outros.



Outra grande oportunidade que estou vivendo atualmente de contato com a leitura é a formação continuada em Língua Portuguesa, GESTAR II, em que sou cursista e professora formadora, que proporciona a todos os cursistas uma vivência, um encantamento, um efetivo contato com obras de grandes autores do nosso país, e muito além disso, a possibilidade de colocar em prática todos essas teorias de que temos contato e que não sabemos de que forma integrá-las em nossa prática pedagógica.





Hoje posso dizer que sou completamente apaixonada por leitura. Leio tudo que estiver ao meu alcance... As vezes é necessário que alguém me chame atenção para priorizar algumas leituras e dar conta de realizar outras atividades da minha vida, como: cuidar dos filhos, do maridão e trabalhar.


Um comentário:

  1. Ana,
    também fui da época da cartilha. Aff!
    E acho maravilhoso o seu depoimento porque ele vem corroborar o que muitos estudiosos dizem: em cidades do interior deste país, o único acesso a livros que as crianças têm é ao livro didático. E olhe lá, heim?!

    É uma pena que não tenhamos bibliotecas em cada canto deste país, não é mesmo? Espero que na sua cidade, com todo o seu esforço e dedicação, você consiga fazer diferença frente aos professores cursistas e frente à comunidade. Lembre-se de que seu exemplo de leitora assídua é precioso.

    Lute para que se instalem bibliotecas na sua região. Esse seria um grande tesouro para as crianças que virão.


    Você escreve MUITO BEM! Parabéns.
    Beijo
    ;)

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